Ok.

Mochila. Sapatos. Chaves. Carteira. Garrafinha de água. Ok.13:00
Saio do quarto e fecho a porta forçando um pouco a pobre. Depois da última chuva, parece que ela estufou de um jeito que quase não fecha. Me olho no espelho e aproveito para dar uma última checagem.
Mochila. Sapatos. Chaves. Carteira. Garrafinha de água. Ok. 13:05
Vou até a cozinha e observo o ambiente. 
Torneira fechada. Geladeira fechada. Fogão desligado. Porta do quintal devidamente trancada. Ok.
Sorrio satisfeita e desligo as luzes. Passo voando pelo corredor imaginando se o ônibus passaria mais cedo ou se eu ficaria plantada naquele Sol de 28º graus. 13:08
Saio de casa e coloco a chave na fechadura. Giro. Giro. Giro. A chave não gira mais. Está trancada. Empurro a porta e simulo uma invasão. A porta não abre de jeito nenhum. Sorrio e saio andando pelo meio da rua deserta. Mas será que eu não deixei o fogão ligado mesmo? Eu não tenho certeza se fiz isso quando terminei de esquentar minha lasanha na hora do almoço.
Dou meia volta para casa e coloco a chave na fechadura. Giro. Giro. Giro. Abriu. Entro e empurro a porta atrás de mim sem trancá-la. Saio correndo pelo meio da casa e ao chegar na cozinha presencio o mesmo cenário de 5 minutos atrás plenamente deserto. 
Torneira fechada. Geladeira fechada. Fogão desligado. Porta do quintal devidamente trancada. Ok.
Desliguei as luzes e enquanto passei pelo espelho prendi a respiração. Não preciso checar novamente. NÃO ESTOU ESQUECENDO NADA!
Ergo a cabeça e saio de casa. Coloco a chave na fechadura. Giro. Giro. Giro. Trancou. Certeza? Giro a maçaneta sem a chave na fechadura e a porta não abre. 
Guardo a chave na mochila e puxo o celular do bolso da calça 13:14. MERDA!
Seguro minha mochila e corro sem prestar atenção nos carros. Viro três esquinas correndo e ignorando olhares. Quando chego na Avenida, vejo o ônibus azul passar do outro lado. Não. Pode. Ser. Passei as mãos no rosto e respirei fundo. Tudo bem, pego o próximo. Sem problemas!
Espero o sinal fechar e atravesso na frente de uma linda Range Rover preta, meu sonho de consumo. Claro que sei que pra isso preciso ser rica. E pra ser rica preciso ter um bom emprego. E pra ter um bom emprego preciso ir bem na faculdade. E pra ir bem na faculdade preciso... preciso...! Eu preciso ir pra faculdade! Caso não, não consigo um emprego, nem dinheiro, nem uma Range Rover. Sentei no banquinho da parada de ônibus já arrasada. Eu não conseguiria um emprego! 
Um outro ônibus vem em direção ao ponto. Repito o destino cinco vezes na minha cabeça. Não é o meu. 
Olho para o chão percebendo que estou sozinha naquele lado da Avenida. Qualquer pessoa poderia chegar aqui. Uma moça grávida, um moço querendo voltar pra casa depois de um longo dia de trabalho, mas também pode vir alguém com má intenções. Essa pessoa sentaria ao meu lado como se fosse o moço querendo voltar pra casa, mas ele não esperaria o ônibus. Ele anunciaria um assalto. Eu reagiria? Não! Não dá pra reagir a um assalto. Eu correria? Não, eu iria morrer se me jogasse nessa Avenida. Eu daria meu celular. Mas eu vou ficar sem? Eu não tenho como comprar outro. Não tenho emprego! 
Olho ao redor. Um moço passa por mim e eu prendo a respiração sentindo meu coração disparar. Ele continua andando e eu solto o ar que prendia. Obrigada, Deus. 
Mais um ônibus azul vem em minha direção. O meu destino estava estampado em letras enormes. Li mais três vezes para ter certeza de que era o meu mesmo. Levantei e observei o banco. Não deixei nada cair, deixei? Ele já estava perto demais quando corri para acenar. Parou. Entrei no ônibus e passei pela catraca. 
Sentei em um banco qualquer e relaxei. Sem roubos hoje. Onde está minha chave? Meu coração disparou de novo. Será que deixei cair no ponto de ônibus? Abri minha bolsa desesperada e vi o molho reluzente se mexer dentro dela e meu chaveiro de televisão chiar, como a televisão da minha avó. Soltei o ar que prendia, como sempre, aliviada. 
Olhei pela janela as plantações passando rápido por mim e tentei afastar imagens de um possível acidente de ônibus comigo dentro. Para!
EU 
ESTOU
SEGURA
Sigo repetindo as mesmas palavras mil vezes na minha cabeça. Vejo pela visão periférica alguém sentar ao meu lado. É uma colega da faculdade. Ela pergunta se eu fiz o trabalho. 
Meu coração pula do peito disparando. Sim, óbvio que fiz, mas coloquei o trabalho na bolsa?

Comentários

  1. Achei muito legal esse projeto e o bom é que podemos desabafar.
    Ótima semana =)

    Beijinhosss ;*
    Blog Resenhas da Pâm

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  2. Ainda essa semana começo a escrever o meu texto, espero que saia algo produtivo! xD
    Garota do 330

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  3. A moça do texto parece eu, super desconfiada, saio de casa e fico remoendo tudo que posso ter esquecido de fazer, e em 95% das vezes fiz tudo direitinho e não preciso ficar paranoiada. Agora já a parte da rua, de ficar com medo, não sou muito dessas, apesar de que aqui em Porto Alegre já não tem mais lugar que não seja perigoso. Acho que de tão ruim que tá, já estou conformada. Mas que é muito melhor encontrar conhecidos na rua pra se sentir segura, ah, isso é x)

    Beijinhos
    http://tipsnconfessions.blogspot.com

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    1. Ahhh sim! Maravilhoso é encontrar alguem na mesma situação que você e fazer companhia até em casa, viu? To adotando esse método porque aqui é bem perigoso haha
      Beijos!!

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  4. Meu Deus esse projeto é tudooo, eu não me canso de repetir isso. Eu li esse texto três vezes hoje já e nunca me identifiquei tanto como agora. Eu sou bem assim, paranoica as vezes, na rua eu sou a que sempre ta observando tudo a volta achando que vai me acontecer algo também.


    Nerd Contemporânea

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  5. Hmm...muito interessante, de verdade. Muitas pessoas precisam desabafar, precisam apenas de alguém para ouvir (no caso, ler...). Tenho muita vontade de postar meus textos, mas eu tenho vergonha :(

    Adorei seu espaço. Seguindo.
    http://5pmtea.blogspot.com.br/

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    1. É complicado postar e mostrar pra todos que foi seu. Por isso o projeto <3

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