Precisamos falar sobre nossas crianças




Esse post não era pra ficar tão grande mas eu deixei que tudo que eu estou pensando agora fosse levado até você que está aí lendo isso e provavelmente com preguiça de ler esse texto enorme. Mas eu peço do fundo do meu coração que você tire 5 minutinhos para ler e refletir isso aqui que eu falo nesse post para que assim como eu, a ficha possa finalmente cair.




    É complicado falar do assunto que vou falar agora. Eu sei que o propósito de se ter um blog e até de ler um é distração e assuntos de seu interesse e isso é moda, decoração, música, filmes e livros. Mas eu não posso deixar de usar meu espaço público (minúsculo porém não desprezível) para falar de assuntos importantes que todas vocês que estão lendo isso agora, precisam relembrar e se conscientizar. Esse post era pra ser uma review de um livro que eu li essa semana mas decidi que não, eu não quero fazer uma review de um livro que me chocou tanto ao ponto de me fazer chorar. Chorar de emoção? Infelizmente não. O livro que estou falando é "Trabalho infantil, o difícil sonho de ser criança." de Cristina Porto, Iolanda Huzak e Jô Azevedo e só esse título me chamou a atenção suficiente para ler o mais rápido possível. Minha amiga pegou esse livro na biblioteca da escola e me disse que era muito bom para redação e construir a argumentação e eu vi a capa e achei legal a proposta do trabalho infantil e no outro dia fui pegar outro livro desse na biblioteca e só sabe quem me viu lendo esse livro no meio de uma aula qualquer desse dia pode te provar tudo isso que direi aqui. A cada página que eu lia, um grande aperto no meu peito me deixava inquieta e eu queria parar de ler o livro e não conseguia. As imagens não podiam ser menos fortes. Crianças trabalhando em lixões, canavieiros, lavouras, seringueira, colheitas, fábricas, com afazeres domésticos, em carvoarias, nas ruas e até com prostituição. O livro conta em narrativas chocantes, a visão de uma adolescente sobre a "descoberta" de um mundo que a mídia nos esconde e nos faz desligarmos nossas mentes para um nível extremo de pobreza que acontece até na nossa própria cidade. Quem nunca parou em um semáforo de uma avenida super movimentada e viu crianças e adolescentes andando descalços pelo asfalto quente e vendendo água? Ou uma família sentada no chão de uma esquina enquanto pedia esmola para quem sabe ter um pão como refeição do dia. Desde que eu comecei a ler esse livro, eu fiquei que nem a protagonista se refere a si mesma: com vergonha de mim. Vergonha de ser tão egoísta a ponto de pensar em terminar a escola e estudar que nem uma condenada para entrar em uma universidade pública renomada e ter um emprego bom e fixo com um bom salário, comprar um apartamento em Nova York e ser feliz. Eu sinto vergonha de mim mesma. 



O livro conta a história de Madalena, uma adolescente que vive normalmente em harmonia com todos. Estuda em uma escola particular e tem as mesmas preocupações que nós até o dia em que ela foi assistir uma exposição de fotografia de um amigo e não pôde sair do estabelecimento por causa da chuva. Nisso ela ficou rondando até achar outra exposição lá dentro que se tratava do trabalho infantil, a cada foto que ela via, a realidade batia de frente com ela. Fotos marcantes e o olhar das crianças era o mais triste de você pode imaginar. Ela ficou dias com esse assunto entalado na cabeça e depois de várias pesquisas sobre o assunto ela percebeu que isso não eram centenas de crianças e sim milhares em todo o mundo. Enquanto ela nunca teve de trabalhar na vida e nunca passou por nenhum tipo de dificuldade, existem crianças lá fora que além de morarem na rua ou em condições precárias, não tem escola e não têm nem 1% que ela teve em um ano de sua vida. Ela ficou tão intrigada a ponto de escrever sobre isso como eu estou fazendo agora e pedir para o irmão tirar várias xérox pra ela. Madalena espalhou esses papéis por toda a escola no dia seguinte e no mesmo dia, a escola virou um caos. Todo mundo pareceu ter acordado de seu mundinho em que só se vê posições sociais acima da sua. A escola inteira se comoveu e formaram um grupo que ficaria responsável por elaborar um jornalzinho que seria distribuído para toda escola e comunidade com fotos e informações sobre os diferentes tipos de trabalho infantil.


Uma das partes mais marcantes do livro me fez chorar e até agora penso nesse parágrafo. Eu não consigo parar de pensar que eu não tenho poder nesse momento de fazer nada para mudar a situação de milhares de pessoas e crianças que não tem o direito de sonhar. Elas vivem a espera de dias melhores que parecem nunca chegar e ficam conscientes de que sinceramente, é complicado ter uma reviravolta da situação. Na cena, Madalena pede a uma amiga da sua mãe a levar ao lixão que ela é voluntária e sua família começa a agir indiferente. A julgar a filha por querer se envolver com pessoas carentes em um ambiente tão desfavorável que é o lixão. Um típico discurso de classe alta. Madalena vai mesmo assim e fica chocada com o que a esperava.

"Vi várias pessoas - homens e mulheres , adultos, jovens e crianças - esperando ansiosamente a chegada do caminhão que traria o lixo recolhido das nossas casas. Quando ele chegou, essas mesmas pessoas, mais ansiosas ainda, tentavam se aproximar o máximo possível para ver se alguma coisa de valor ia ser despejada pelo caminhão. Sem nenhuma proteção, começaram, então, a remexer o lixo que vinha de não sei quantos banheiros, não sei quantas cozinhas, não só de casas, como de restaurantes, fábricas, lojas, farmácias, lanchonetes... Conversando com um senhor, fiquei sabendo que eles separavam o material que poderia ser aproveitado, para vender depois. Não sei por quanto, pois não tive a coragem de perguntar. Disse também que de vez em quando achavam alguma comida que ainda dava pra comer. E que as crianças encontravam, muitas vezes, algum brinquedo em bom estado. Que bom estado era esse, tanto da comida quanto do brinquedo, não me pergunte. É melhor nem pensar. Ao lado das pessoas, cachorros e cavalos fuçavam, buscando o que comer. Acho que nem preciso descrever o cheiro que esse lixo exalava. Mesmo porque não ia conseguir, pois ao odor dos detritos se misturava, dentro de mim, o cheiro ainda mais podre da revolta, da indignação e da vergonha. Como era possível que alguns seres humanos tivessem que sobreviver à custa de lixo? E aquelas pessoas, com a ponta de amor-próprio que ainda lhes restava, diziam que era melhor sobreviver do lixo do que roubar e assaltar."
                  

Essa parte me consumiu. Eu nunca tinha parado pra pensar no lixo que eu mesma jogo fora. Comidas até boas aparentemente, porém estragadas ou fora de validade, hoje, podem ser a refeição de uma família que ganha cerca de R$ 10 por dia. Imagina o quanto de doenças que eles não tem por ano? E isso é uma realidade apenas do lixão. Tem inúmeros outros lugares em que abusos são cometidos a cada hora com crianças. Li o relato de um menino de 11 anos que dizia mais ou menos que ele as vezes tinha tempo de ir à escola, e quando dava ele ia, porém muito cansado de ter passado o dia inteiro cortando cana. E uma família de 4 pessoas em que 2 são crianças e também trabalham a renda anual é de R$ 300. Menos da metade de um salário mínimo por ANO! As crianças já nascem em um ambiente horrível e são preparadas nos primeiros anos de idade a trabalhar ajudando a mãe para depois se tornarem mais independentes e capazes de fazer um trabalho de um adulto. Com 9 anos de idade eles já são considerados adultos pela qualidade do trabalho que fazem! Eu fiquei calada desde que acabei o livro e calada total. Eu não consigo pensar em algo e não lembrar das crianças que nesse momento enquanto eu escrevo esse post, não tem jantar e morrem de fome nas ruas, nas favelas, nos casebres. Enquanto eu estou com um notebook aberto, vários livros da escola ao meu lado e com o ar condicionado ligado por causa do calor. Existe milhares de meninas da mesma idade que eu que  sonham em pelo menos ir para a escola ou em até parar de viver da prostituição, de trabalhos forçados e até de se verem livres de assédio sexual que recebem tão cedo. 



Eu sempre me interessei por assuntos e causas sociais mas eu sempre guardei isso pra mim. Houve um período que eu parei de assistir matérias do Fantástico que retratavam a pobreza e a forma de vida dessas pessoas que não tem uma vida digna - que é dita e assegurada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Mas vemos que não funciona bem assim. A realidade dessas pessoas está aí para todos verem e a maioria não liga e prefere se importar com assuntos do tipo ganhar mais dinheiro. Em uma democracia em que vemos todos os dias posts online sobre direitos, política, aumento do dólar, feminismo, índios, melhora da educação etc.. EU raramente vejo alguém se manifestar a favor daqueles e daquelas que não tem ninguém que lhes assegure comida, moradia e empregos descentes. Não tem alguém que faça realmente algo que tire os milhões de brasileiros menores de idade que estão abdicando de sua própria educação para ajudar no sustento da família. Sustento esse que já citei ser praticamente o que pagamos em um almoço. Acho que um almoço é o dobro ou triplo do que eles recebem por dia.

"- Acho muito engraçado vocês, que devem ter tido todas as facilidades do mundo, desde que nasceram - dinheiro, roupas, estudos, passeios, viagens, amor, família, um lar -, começarem, assim, de repente, a se achar muito conscientes e muito chocados pelos problemas dos mais necessitados, dos injustiçados, dos excluídos... É muito fácil falar! Queria ver se vocês tivessem tido a infância que eu tive e a vida que ainda tenho, apesar de estar nem melhor, agora.... As coisas que já passei - fome, frio, raiva, ódio, humilhação, revolta -, tudo isso marca muito, acho mesmo que para sempre."

"- Não, acho que não vale a pena falar sobre uma infância na rua, no meio de delinquentes, drogas e crime...Não vale a pena falar de um pai que abandonou a família, de uma mãe que não deu conta de criar sozinha os sete filhos e acabou deixando um com uma família e outro com outra..Foi por isso que acabei na rua. Pelo menos tinha mais liberdade. [...] Consegui sair porque encontrei um casal que resolveu acreditar em mim e me deu uma força. No começo acho que foi pela culpa que sentiram quando me atropelaram, numa noite de muito frio. [...] Você pensa que é fácil ter calma, Madalena? Minha vida mudou, sim, e pra melhor, claro, mas ainda não é um mar de rosas, não! Ainda me sinto excluído, sim, discriminado, olhado com desconfiança, muitas vezes... Parece que ficou marcado na minha cara: menino de rua, trombadinha, pivete. Quando olho pra uma garota as vezes assim, como um homem olha pra uma mulher, querendo alguma coisa além de amizade, não pense que levo muita chance se a garota é assim, como você, cara de vem alimentada, bem vestida, bem amada...[...] É, você, sim, que só tem olhos pro João Francisco desde que chegou aqui. Nem chegou a notar que eu existia. Está, sim, fazendo esse seu trabalho muito bonito, achando que está ajudando essas criança, mas conviver, mesmo, que é bom, olhar pra elas como um ser humano igualzinho a você, não sei não..."

Essa parte é sim um tapa na cara de todos nós. No final, o menino se desculpa de Madalena e pede que ela continue a mostrar para as pessoas que eles, desolados, precisam de alguém que os salve. E que você que está lendo esse post agora e está tão chocada quanto eu, não estamos com o coração apertado de pena desses pobres infelizes e sim de raiva. De indignação e EU tenho uma vontade enorme de gritar e falar que ninguém merece ser tratado dessa maneira e que todas aquelas crianças que estão sem ir para escola por causa de trabalho devem realizar um sonho, isso mesmo, um sonho de ir a escola, aprender a ler e ter um trabalho em que não seja explorada de todos os modos. Eu não ficarei calada. Esse livro me fez ver coisas que eu se quer vejo ou ouço falar. Geralmente falamos "ah, as crianças carentes" ou "ah, tadinha daquela criança, nem tem casa nem muito menos comida!" e sim, estamos percebendo a situação, se comovemos e depois nos esquecemos e outra coisa toma a nossa atenção. As imagens, os dados e os índices nos provam que essa realidade está aqui por décadas e até hoje, me dói saber que eu nunca fiz nada que pudesse ajudar aquelas crianças e aquelas comunidades.. Doei brinquedos, sim. Mas eu nunca parei pra pensar na real alegria que uma criança pode sentir em ganhar uma boneca. Um carrinho sem rodas.

   

Hoje, eu vou dormir pensando nessas crianças e de hoje em diante, eu não só vou repensar todos os meus atos egoístas como vou fazer o possível começando de mim mesma para que EU possa ajudar a melhorar o futuro de alguém. Eu não consigo ficar calada e sei que no meu futuro, tem um espaço reservado para essas crianças e adolescentes que tem um brilho no olhar de esperança. E é esse tipo de esperança que eu quero ser capaz de alimentar e fazer valer a pena na minha vida.  

Comentários

  1. muito triste em ver e ler isso! o quanto a gente dá importância muitas vezes pra coisas inuteis enquanto uma parte da população fica feliz com o nosso lixo, e como é frustrante não saber o que fazer pra ajudar :/

    www.blogamorarosa.com

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    1. Sim! Mas a gente tem que fazer alguma coisa por mais simples que ela seja pra tentar mudar a situação de alguém :(

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  2. Eu vi uma postagem com essas fotos no facebook e o texto foi tao emocionante que chorei, serio, nossa, nao da nem pra acreditar em uma coisa dessas, ams existe, infelizmente :(
    http://b-uscandosonhos.blogspot.com.br/

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    1. É tão emocionante que chega a doer e causar discórdia mesmo :(

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  3. Muito emocionante, é uma realidade tão triste e que parece tão longe, mas está tão perto de nós :(
    Beijos
    BlogCarolNM
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    1. É verdade. Parece que nem acontece ao nosso olhar mas a gente que escolhe o que quer ver de verdade :(

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  4. É algo tão, tão triste!!! gostaria muito que o mundo e seus governantes olhassem mais nossas crianças :/
    www.byanak.com.br

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